26 de março de 2013
Jéssica Cristopherry
Há duas coisas que me mobilizam profundamente: a produção artística e a diversidade de expressões da sexualidade. São questões que fazem parte de minha vida, de minha rotina, que sinto como se fossem interesses instintivos, de tão naturais que soam para meus sentimentos.
Vira e mexe, eu falo que deve ter havido algum desajuste do destino para eu não ter me tornado artista. De dança, de música, de teatro ou de literatura (nesta aí, ainda vale de pensar que minhas chances não estão totalmente esgotadas). Mas também há explicações plausíveis para este erro de caminho: eu só me toquei de fato que arte é trabalho, que arte abre diversas possibilidades profissionais ao alcance de quem estiver a fim de labutar por ela, já adulta. E não me apetecia, por exemplo, disputar uma vaga na Globo ou em cima de um trio elétrico, que era o que eu compreendia como o mais aceitável de ser artista. Aquilo era distante e supérfluo demais para o que eu gostava de fazer. E eu brinquei de ser dançarina, instrumentista, cantora, atriz e escritora a infância inteira, e na adolescência também, mas tudo como se fosse sonho. E descanso. E diversão. Apenas quando o mesmo destino me enfiou neste meio para me oferecer o ganha-pão, eu entendi de verdade, ali, real, que produzir arte tem tanto deste imaginário de beleza e liberdade quanto de esforço e dedicação. Talvez mais de esforço e dedicação.
Também vira e mexe, eu falo que queria ser homem para poder ser uma drag queen. Uma drag queen fechação total. Queria poder desmunhecar e bater cabelo com todo glamour, chocar horrores com todas as libertinagens mais fantásticas. Não é uma posição ingênua de quem não sabe dos massacres sofridos pelos que fogem à heteronormatividade. Mas acharia o máximo poder dar uma banana de forma explícita e escandalosa para quem acha que as complexidades do sexo e do amor se resumem de forma compulsória às relações de macho e fêmea. Eu gosto do mundo gay. Eu gosto dos que se assumem. Eu reconheço neles um passo à frente na defesa da própria liberdade. Eu acho que eles ganham de mim no que diz respeito a medos e censuras. Eu queria ser bem viada.
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Quando soube do lançamento do documentário Jéssica Cristopherry, a minha primeira e honesta reação foi morrer de inveja. Como assim Paula Lice satisfez seus desejos transformistas?
E ela não fez isto sozinha: esteve ao lado de Rodrigo Luna e Ronei Jorge. O filme é o primeiro trabalho da Buh!Fu Filmes, conduzido pelo trio, que, tomara, vai nos presentear a partir de agora com mais outras investidas audiovisuais.
Paula, eu diria que ela é atriz, apesar de ser mais um bando de coisa, inclusive doutora. Um dia, numa conversa de um de meus temas favoritos – “como tem gente boa fazendo coisa boa no setor artístico baiano, minha gente!” –, eu fiquei muitos bons minutos falando dela. Porque ela é exemplo desta coisa toda de fazer, acontecer, de fazer bem feito, de acontecer bem acontecido. Ela trilha uma carreira respeitável, sustentável, produtiva, contínua e bonita pra danar. Eu tenho um pouco de medo dela, porque ela sempre me faz chorar. (Agora, até de lágrima de olho gordo, essa traveca.)
Ronei, eu diria que ele é músico, apesar de ser mais um bando de coisa, inclusive cineasta de formação. Depois que a Ronei Jorge e Os Ladrões de Bicicleta interrompeu atividades (uma frustração para meu coração), ele está numa produtividade que nem sei como cabe. Teve música nova, teve shows, teve gosto de saudade. E é Bequadro, é Vila da Música, é Encontro de Compositores, é trilha sonora de filme, de peça, de Amor Barato. Ronei é um dos artistas que mais me fazem ter orgulho do que se é feito de arte nesta nossa Bahia.
De comum, além do talento e do trabalho genuíno (e do poder de fazer com que eu queira falar, me expressar, escrever, dividir, pensar), eles têm uma capacidade esmagadora de encher de beleza as coisas simples. Não é difícil entendê-los, apesar de ser intrigante o quanto podem ser imensos parecendo ser banais. Que delícia.
Jéssica Cristopherry é assim. Rápido, sem firulas, sem reviravoltas, sem contornos. E, exatamente por não fazer um tratado, nem um concerto sobre as mazelas do universo transformista, ele nos pega pelo peito: para que problematizar ou querer explicar os desejos de ser “maior que a vida”? Por que não simplesmente rir e aproveitar das nossas expressões sexuais? Por que querer dar diagnóstico do modo de vida e da sexualidade alheia? Paula está ali, vívida, entregue e tão sincera com a falta de acanhamento em suas confissões – porque, né?, que é que tem? E a fala do pesquisador e diretor teatral Rodrigo Dourado, ainda que conduza importante sustento ao discurso documental, é tão leve quanto todo o resto. E pronto. Simples assim. Sem estranhamento. Sem lições de vida. Apenas feliz e possível. O recado mais certeiro.
Apresentado hoje, na estreia que tive o prazer de conferir, como uma “demonstração de amor ao transformismo”, o filme derrama respeito e afeto, e nos oportuniza querer ser outros, outras, quantas identidades couberem em corpos que dispensam definições senão a de humanos.
As próximas exibições vão acontecer em bares do Beco dos Artistas, que são também cenário do filme, sempre às 22 horas:
27/3 e 3/4, no ALL CLUB
7/4 e 19/4, no Melancia Blue
21 de janeiro de 2013
29 de maio de 2012
Para Valdir
É quando eu deito a cabeça em seu peito e sinto o cheiro do seu perfume, ou, ainda melhor, de sua pele, que entendo a simplicidade do que é satisfação. E eu não desejo nada que não tenha isso nos meus dias, como o melhor lugar de me recostar. Gosto de saber que este colo é meu e que ele está ali para me receber de todo jeito, como quer que estejamos. Gosto que seja o meu descanso e o meu vigor. Que a gente se cuide e se estremeça.
Fico me deliciando com a expectativa de que faça a barba, para sentir a fragrância do pós-barba que me traz à mente tantos momentos e que me faz, mais uma vez, reconhecer a minha paixão. Porque também me lembro que quando você chega eu me avanço com o nariz, e que, quando tudo ainda era início, eu ficava feliz de você já acertar o que me faz bem. Você acertou. Eu acertei.
Quero poder te arrancar sorrisos e gargalhar contigo em nosso mundo que a gente tem aqui guardado, que a gente faz existir independentemente de tudo. Como é bonito que a gente multiplique amor com quem nos ama, mas mais bonito ainda é que nosso ninho seja impenetrável (e que não exista nada mais valioso que a nossa intimidade). Como é gostoso quando a gente decide que tudo que a gente quer é esquecer que existem coisas senão nós dois, e passam horas, dias, sem que precisemos lembrar que há. E o bom de sair é voltar.
Aí de novo eu vejo as pontinhas dos seus lábios, a dupla de sinaizinhos em cima da sua boca, os olhos bons, as pernocas em que me agarro, os desenhos de você, e acho tudo toda vez mais lindo, e beijo, beijo, beijo, beijo. Sinto tanta vontade de te fazer carinho!
Agradeço a mim por, há um ano, ter decidido que te queria. Por ter ido te falar. Agradeço a você por, há um ano, me dizer sim, repetidamente, diariamente. Agradeço pelo seu ímpeto, firmeza, delicadeza. Por a gente aprender junto. Por dançar My Valentine comigo. Pela infinidade de coisas que compartilhamos. Você consegue contabilizar? Eu consigo. Eu tô vendo na minha frente e sorrindo de novo.
Obrigada pelo equilíbrio, pela verdade, pela sorte de um amor tranquilo, com sabor de melão no café da manhã e de felicidade escolhida.
Eu te amo.
Fico me deliciando com a expectativa de que faça a barba, para sentir a fragrância do pós-barba que me traz à mente tantos momentos e que me faz, mais uma vez, reconhecer a minha paixão. Porque também me lembro que quando você chega eu me avanço com o nariz, e que, quando tudo ainda era início, eu ficava feliz de você já acertar o que me faz bem. Você acertou. Eu acertei.
Quero poder te arrancar sorrisos e gargalhar contigo em nosso mundo que a gente tem aqui guardado, que a gente faz existir independentemente de tudo. Como é bonito que a gente multiplique amor com quem nos ama, mas mais bonito ainda é que nosso ninho seja impenetrável (e que não exista nada mais valioso que a nossa intimidade). Como é gostoso quando a gente decide que tudo que a gente quer é esquecer que existem coisas senão nós dois, e passam horas, dias, sem que precisemos lembrar que há. E o bom de sair é voltar.
Aí de novo eu vejo as pontinhas dos seus lábios, a dupla de sinaizinhos em cima da sua boca, os olhos bons, as pernocas em que me agarro, os desenhos de você, e acho tudo toda vez mais lindo, e beijo, beijo, beijo, beijo. Sinto tanta vontade de te fazer carinho!
Agradeço a mim por, há um ano, ter decidido que te queria. Por ter ido te falar. Agradeço a você por, há um ano, me dizer sim, repetidamente, diariamente. Agradeço pelo seu ímpeto, firmeza, delicadeza. Por a gente aprender junto. Por dançar My Valentine comigo. Pela infinidade de coisas que compartilhamos. Você consegue contabilizar? Eu consigo. Eu tô vendo na minha frente e sorrindo de novo.
Obrigada pelo equilíbrio, pela verdade, pela sorte de um amor tranquilo, com sabor de melão no café da manhã e de felicidade escolhida.
Eu te amo.
24 de abril de 2012
Das autoajudas
O restaurante do Madison Plaza, na Pituba, já foi um dos meus lugares preferidos de comer comida a quilo em Salvador. Hoje em dia, a comida de lá é apenas ok – quando tem sal, porque muitas vezes simplesmente falta sal. No entanto, eu frequento o local mais do que nunca: é que, agora, fica do ladinho de minha casa.
Dia desses, estava eu lá incomodada com uma exposição de pinturas que inventaram de montar nas paredes. Outras vezes eu já tinha passado o olho e achado horrível, mas, nesta última oportunidade, eu sentei de frente para a maioria das telas e fiquei nervosa com elas. Tratam-se de quadros que retratam máscaras. Feios de doer. Entre uma garfada e outra, ainda me dei de ler um texto de apresentação colocado em uma das obras, algo tipo: “Quantas vezes você já não utilizou uma máscara dessas ao mentir?”.
Nossa. Fiquei comovida com tamanha provocação. Uau. Que forte. Que desafiador!
Lembrei-me dos tempos em que eu trabalhei com Recursos Humanos – e das tantas dinâmicas de grupo comuns deste universo. Em minha opinião, dinâmicas de grupo são, de modo geral, das coisas mais constrangedoras que já inventaram. Especialmente porque, quando se encaixam naqueles projetos de “integração” e “motivação”, via de regra, elas pretendem transmitir “mensagens”. No final, naquele momento de traduzir o que foi “experimentado” pelos participantes, as lições de vida explodem para todos os lados. E, nossa senhora, eu fico perplexa e me afundando em mim mesma de vergonha com os inestimáveis ensinamentos transmitidos. (Por outro lado, eu acho que aquele climinha alegre típico de grupos que acabaram de sair destes sufocos é justamente vindo do fato de terem compartilhado – e sido cúmplices – do embaraço alheio, além de, claro, terem podido não trabalhar naquele dia.)
O que mais me intriga, no entanto, é por que as revelações pretendidas quase sempre giram em torno da máxima de que “Você é especial e único”. Ah, bata-me um abacate.
Acho um equívoco absurdo esta história. Individualmente, nós somos nada além do que serezinhos, bichos humanos, nascidos por acaso, que têm necessidades básicas para continuarem vivos, que vão sobrevivendo aos dias. Nós só temos sentido em articulação. Não entendo por que reforçar a ideia de que somos importantes por sermos quem a gente é. Bilhões de pessoas são, e isto muito mais faz mal ao mundo do que o enriquece.
No mesmo dia em que almocei embalada pelas imagens das máscaras me rondando, precisei caminhar pelo Pelourinho. Era dia de chove-não-chove. Algumas poças estavam formadas na rua. No passeio, obras no casarão em que trabalho impuseram andaimes para os operários poderem pintar a fachada. Os pedestres, como eu, tinham de avançar um pouco no espaço dos carros para poder passar. Não é uma situação de se admirar: os condutores, protegidos em seus veículos, pouco se lixam se está difícil para você atravessar aquele espaço entre ferros, guarda-chuvas, gotas caindo e outras pessoas circulando. Um carro me atravessou em alta velocidade, fazendo-me espremer num canto para não ter um pedaço meu arrancado, e ainda levantando com gosto a água acumulada num buraco da via, dando banho em quem estava ao redor. Dá vontade de ir lá dar um beijo e cantar o hino nacional, de tanto orgulho.
Para não ter um siricotico de ódio, fiquei mentalizando que o cidadão deveria estar levando algum moribundo para atendimento de emergência. Ainda assim, não consegui evitar a conexão de pensamentos: parem, meu Deus, de ensinar que as pessoas são especiais. Mostrem que elas precisam é olhar para o lado.
Dia desses, estava eu lá incomodada com uma exposição de pinturas que inventaram de montar nas paredes. Outras vezes eu já tinha passado o olho e achado horrível, mas, nesta última oportunidade, eu sentei de frente para a maioria das telas e fiquei nervosa com elas. Tratam-se de quadros que retratam máscaras. Feios de doer. Entre uma garfada e outra, ainda me dei de ler um texto de apresentação colocado em uma das obras, algo tipo: “Quantas vezes você já não utilizou uma máscara dessas ao mentir?”.
Nossa. Fiquei comovida com tamanha provocação. Uau. Que forte. Que desafiador!
Lembrei-me dos tempos em que eu trabalhei com Recursos Humanos – e das tantas dinâmicas de grupo comuns deste universo. Em minha opinião, dinâmicas de grupo são, de modo geral, das coisas mais constrangedoras que já inventaram. Especialmente porque, quando se encaixam naqueles projetos de “integração” e “motivação”, via de regra, elas pretendem transmitir “mensagens”. No final, naquele momento de traduzir o que foi “experimentado” pelos participantes, as lições de vida explodem para todos os lados. E, nossa senhora, eu fico perplexa e me afundando em mim mesma de vergonha com os inestimáveis ensinamentos transmitidos. (Por outro lado, eu acho que aquele climinha alegre típico de grupos que acabaram de sair destes sufocos é justamente vindo do fato de terem compartilhado – e sido cúmplices – do embaraço alheio, além de, claro, terem podido não trabalhar naquele dia.)
O que mais me intriga, no entanto, é por que as revelações pretendidas quase sempre giram em torno da máxima de que “Você é especial e único”. Ah, bata-me um abacate.
Acho um equívoco absurdo esta história. Individualmente, nós somos nada além do que serezinhos, bichos humanos, nascidos por acaso, que têm necessidades básicas para continuarem vivos, que vão sobrevivendo aos dias. Nós só temos sentido em articulação. Não entendo por que reforçar a ideia de que somos importantes por sermos quem a gente é. Bilhões de pessoas são, e isto muito mais faz mal ao mundo do que o enriquece.
No mesmo dia em que almocei embalada pelas imagens das máscaras me rondando, precisei caminhar pelo Pelourinho. Era dia de chove-não-chove. Algumas poças estavam formadas na rua. No passeio, obras no casarão em que trabalho impuseram andaimes para os operários poderem pintar a fachada. Os pedestres, como eu, tinham de avançar um pouco no espaço dos carros para poder passar. Não é uma situação de se admirar: os condutores, protegidos em seus veículos, pouco se lixam se está difícil para você atravessar aquele espaço entre ferros, guarda-chuvas, gotas caindo e outras pessoas circulando. Um carro me atravessou em alta velocidade, fazendo-me espremer num canto para não ter um pedaço meu arrancado, e ainda levantando com gosto a água acumulada num buraco da via, dando banho em quem estava ao redor. Dá vontade de ir lá dar um beijo e cantar o hino nacional, de tanto orgulho.
Para não ter um siricotico de ódio, fiquei mentalizando que o cidadão deveria estar levando algum moribundo para atendimento de emergência. Ainda assim, não consegui evitar a conexão de pensamentos: parem, meu Deus, de ensinar que as pessoas são especiais. Mostrem que elas precisam é olhar para o lado.
9 de abril de 2012
Aleluia
“Não tinha noção da complexidade e criatividade que envolvem a gravação do CD de uma banda séria. Agora que não compro CD pirata mesmo!”
Este trecho, de um dos preciosos comentários postados no blog A Ponte ao longo dos quase 22 meses que a página está no ar (desde 17 de junho de 2010), é uma boa referência para resumir o privilégio que tive de acompanhar a gestação do Aleluia, o quinto álbum do Cascadura.
Participei presencialmente de apenas uma sessão das gravações. Fui ao estúdio t, na antiga sede da Federação (hoje em dia, o templo sagrado do nosso andré t tem casa nova, no Rio Vermelho), e fiquei algumas horas vendo Fábio Cascadura colocar a voz em algumas canções. Que puta experiência é testemunhar um troço desses. Porque nasciam ali músicas que, já na primeira audição, me hipnotizaram. Eles botaram algumas outras já prontas para eu ouvir e eu olhava nos olhos de Fábio, de andré, de Thiago, de Jô, e perguntava em pensamento: como assim, velho? Que é que é isso?
Mas o foda, foda mesmo, é que eu estava então podendo escutar pela primeira vez os frutos daquilo que eu conhecia em teoria. Além de felizmente conviver com os caras responsáveis por este disco duplo de 22 faixas e acompanhar o dia-a-dia deste processo mágico, desde a seleção do projeto em edital que o financia e tornou possível ao momento de revisar as letras impressas no encarte, eu atuei como uma espécie de editora do já citado blog, que funcionou como um espaço de compartilhamento do processo criativo e dos bastidores de produção do novo trabalho.
Caralho. Eu queria poder ter garantido que todas as pessoas que gostam de música e merecem alegrias tivessem acompanhado as atualizações do blog, quase todas escritas por Fábio Cascadura. Até porque o negócio aqui extrapola gostar ou não do resultado, ou da banda: a questão fundamental é a possibilidade de observar o ofício de artistas comprometidos, profissionais, que pensaram em cada detalhe, que resgataram referências, que trouxeram um conceito para uma obra, que se desafiaram.
Então ao ouvir aquele barulhinho lá ao fundo da música, aquele instrumento surgir imponente, aquela letra de conteúdo histórico, aquele batuque, aquela voz diferente... tudo faz sentido. Nada está colocado à toa, de forma impensada. Tudo tem argumento. Tudo tem razão.
É o caso, por exemplo, de “Um Engolindo o Outro”, cujas batidas de pés, que marcam o ritmo da música, recriam a work song, que eu só soube do que se trata por conta de um dos meus posts favoritos publicados em A Ponte. Aliás, vem também deste post não apenas o comentário citado no início deste texto, mas ainda uma das pérolas que fazem parte do conhecimento enciclopédico de Fábio a respeito da música de todos os tempos, de todos os lugares, e que eu incluo aqui porque não canso de me emocionar com esta apresentação. Foi isso: no blog, muita coisa boa, além-Cascadura, foi introduzida. Que sorte a minha não ter perdido nenhum detalhe.
Chico Castro Jr., jornalista e colunista do A Tarde, comentou também em A Ponte: “Rapaz, só tenho uma coisa a dizer: gente que de fato conhece seu ofício e sua arte me dá gosto. Muito.”
Pois é, Chico, pois é.
Enfim, o Aleluia está pronto e já tem data de lançamento virtual marcada: 8 de maio, no Facebook do Cascadura. Não sei nem descrever a emoção de ter chegado a hora.
Este trecho, de um dos preciosos comentários postados no blog A Ponte ao longo dos quase 22 meses que a página está no ar (desde 17 de junho de 2010), é uma boa referência para resumir o privilégio que tive de acompanhar a gestação do Aleluia, o quinto álbum do Cascadura.
Participei presencialmente de apenas uma sessão das gravações. Fui ao estúdio t, na antiga sede da Federação (hoje em dia, o templo sagrado do nosso andré t tem casa nova, no Rio Vermelho), e fiquei algumas horas vendo Fábio Cascadura colocar a voz em algumas canções. Que puta experiência é testemunhar um troço desses. Porque nasciam ali músicas que, já na primeira audição, me hipnotizaram. Eles botaram algumas outras já prontas para eu ouvir e eu olhava nos olhos de Fábio, de andré, de Thiago, de Jô, e perguntava em pensamento: como assim, velho? Que é que é isso?
Mas o foda, foda mesmo, é que eu estava então podendo escutar pela primeira vez os frutos daquilo que eu conhecia em teoria. Além de felizmente conviver com os caras responsáveis por este disco duplo de 22 faixas e acompanhar o dia-a-dia deste processo mágico, desde a seleção do projeto em edital que o financia e tornou possível ao momento de revisar as letras impressas no encarte, eu atuei como uma espécie de editora do já citado blog, que funcionou como um espaço de compartilhamento do processo criativo e dos bastidores de produção do novo trabalho.
Caralho. Eu queria poder ter garantido que todas as pessoas que gostam de música e merecem alegrias tivessem acompanhado as atualizações do blog, quase todas escritas por Fábio Cascadura. Até porque o negócio aqui extrapola gostar ou não do resultado, ou da banda: a questão fundamental é a possibilidade de observar o ofício de artistas comprometidos, profissionais, que pensaram em cada detalhe, que resgataram referências, que trouxeram um conceito para uma obra, que se desafiaram.
Então ao ouvir aquele barulhinho lá ao fundo da música, aquele instrumento surgir imponente, aquela letra de conteúdo histórico, aquele batuque, aquela voz diferente... tudo faz sentido. Nada está colocado à toa, de forma impensada. Tudo tem argumento. Tudo tem razão.
É o caso, por exemplo, de “Um Engolindo o Outro”, cujas batidas de pés, que marcam o ritmo da música, recriam a work song, que eu só soube do que se trata por conta de um dos meus posts favoritos publicados em A Ponte. Aliás, vem também deste post não apenas o comentário citado no início deste texto, mas ainda uma das pérolas que fazem parte do conhecimento enciclopédico de Fábio a respeito da música de todos os tempos, de todos os lugares, e que eu incluo aqui porque não canso de me emocionar com esta apresentação. Foi isso: no blog, muita coisa boa, além-Cascadura, foi introduzida. Que sorte a minha não ter perdido nenhum detalhe.
Chico Castro Jr., jornalista e colunista do A Tarde, comentou também em A Ponte: “Rapaz, só tenho uma coisa a dizer: gente que de fato conhece seu ofício e sua arte me dá gosto. Muito.”
Pois é, Chico, pois é.
Enfim, o Aleluia está pronto e já tem data de lançamento virtual marcada: 8 de maio, no Facebook do Cascadura. Não sei nem descrever a emoção de ter chegado a hora.
3 de abril de 2012
Sumiços
Dezembro, como de costume e íntima razão de alegria, foi mês de transição. Uma transição simples e pouco problematizada, novidade que deste modo tenha sido, mas, ainda assim, transição.
Janeiro foi mês de tentar entender se era Verão ou se era eu tentando ser Verão num tempo em que tanta coisa me surgia.
Fevereiro foi mês de trabalho árduo, ininterrupto e excitante.
Março foi mês de momentos ainda mais lindos, emoções imensas, acontecimentos ímpares, coração tomando rajadas de felicidade com as coisas da vida.
Abril chegou. E eu pareço só entender as coisas quando abril chega.
Janeiro foi mês de tentar entender se era Verão ou se era eu tentando ser Verão num tempo em que tanta coisa me surgia.
Fevereiro foi mês de trabalho árduo, ininterrupto e excitante.
Março foi mês de momentos ainda mais lindos, emoções imensas, acontecimentos ímpares, coração tomando rajadas de felicidade com as coisas da vida.
Abril chegou. E eu pareço só entender as coisas quando abril chega.
5 de dezembro de 2011
Casando Catarina e Lucas
Salvador, 3 de dezembro de 2011: um dos momentos mais emocionantes e tremidos de minha vida!
Eu era uma coisa sambante, o papel pulava em minha mão, meus olhos nadavam em água, não sei como consegui ler, mas valeu a pena ser a porta-voz da união: uma honra!
Quando Cat me convidou para falar aqui representando os amigos dela, senti mais uma vez a alegria e o orgulho do privilégio de estar entre as pessoas de sua vida. O convite também me fez lembrar do meu avô José – uma das pessoas mais importantes da minha vida –, aquele que, em todos os eventos dos que amava, era quem se incumbia dos discursos, sempre tão verdadeiros e emocionados. Meu avô tinha o dom de fazer as palavras virarem histórias concretas diante dos olhos, era muito firme na defesa do que acreditava e só chamava de amigos aqueles por quem realmente mataria e morreria. São três coisas que tento honrar como herança. Então, que este texto espelhe este mundo de coisas tão bonitas que se abre para Lucas e Cat, e que continuará nos passos de uma criança ainda por nascer.
No verão deste ano, numa das tantas festas que agora já podemos chamar de despedidas de solteira, assisti meio de longe, meio de perto, à primeira conversa destes dois que hoje são noivos. Posso tirar onda e dizer que, desde sempre, eu avisei: é ele! Eu também vi, dias depois, o primeiro beijo – e o namoro começou ali, instantaneamente. Pois assim que foi. E foi assim que Lucas, num bilhetinho de aniversário para Catarina, consagrou, em poucas e certeiras palavras: “Linda, te achei!”. E pronto. Só isso. E eu nunca vi um bilhete mais bonito que esse. Porque não há nada que possa ser mais incrível e mágico do que reconhecer assim, clara e simplesmente, ter encontrado o grande amor.
Amor que se reflete em bem-estar, alegria e satisfação. Amor gentil, cuidadoso, carinhoso e agradável. Amor intenso e profundo que se revela em leveza e em sono tranquilo. Amor que reserva surpresas, mas que dispensa a ansiedade. Amor de ficar junto porque assim a vida fica melhor. Amor como há de ser: tornando duas pessoas mais felizes, mais inteiras, mais seguras, mais capazes. Eu vejo Cat e Lucas, no dia a dia, arrancando sorrisos um do outro. Eles se fazem bem. É assim que faz sentido.
Cat e Lucas são companheiros, parceiros e se escolheram, além de terem lindamente se apaixonado. O peito palpita, e a razão confirma: eis um casal. Porque ser casal, aos 30 e com um filho na barriga, também exige sensatez. Por isso, vê-los estar nisso com tanta certeza faz com que fiquem de lado questões de tempo, planos, mudanças. Já é certo e coerente. Já tem fruto. Já é uma grande história. Já é uma família.
A minha amiga Catarina é de uma integridade de dar gosto. Já escrevi isso para ela antes, e repito: não conheço criatura mais leal. É uma grande mulher, com disposição para o crescimento e para a vida. Firme e honesta. Inteligente e divertida. Que se reconhece bem e sabe, graças a Deus que ela sabe, que não merece nada menos que muito. É fato, Cat: você é merecedora desse dia. Dessa gente que te ama. Desta e de muitas outras celebrações pelo que o universo lhe retribui como presente.
Pois então, Lucas, você realmente achou um tesouro. E nós, amigos de Catarina, lhe recebemos de braços abertos porque você faz jus a este mérito. Que bom que ela também te achou! Que bom que você veio. Que bom que você é agora também nosso amigo. Que bom que você é o pai do filho dela.
Abençoo e aplaudo esta união com a competência de quem só deseja o melhor para vocês. É um consentimento meu e de todos. Se aqui houvesse um padre que questionasse se alguém tem algum impedimento a declarar sobre o casamento, eu perguntaria: está louco? Olhe para Cat e Lucas, olhe aí: só há fatores a favor. Só há a parte de que eles se aceitam como legítimos, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, com fé na felicidade, com respeito e sinceridade, com o compromisso primordial de dividirem os dias pelo bem comum. Só pelo bem.
Catarina, Lucas,
Que possamos sempre ser testemunhas do amor de vocês. Que vejamos a quiança se transformar num ser humano também admirável. Que tenhamos muitos motivos para comemorar esta união. Muitos bons dias estão neste caminho, com certeza. Vamos estar juntos nisso.
Amo vocês três.
Eu era uma coisa sambante, o papel pulava em minha mão, meus olhos nadavam em água, não sei como consegui ler, mas valeu a pena ser a porta-voz da união: uma honra!
Quando Cat me convidou para falar aqui representando os amigos dela, senti mais uma vez a alegria e o orgulho do privilégio de estar entre as pessoas de sua vida. O convite também me fez lembrar do meu avô José – uma das pessoas mais importantes da minha vida –, aquele que, em todos os eventos dos que amava, era quem se incumbia dos discursos, sempre tão verdadeiros e emocionados. Meu avô tinha o dom de fazer as palavras virarem histórias concretas diante dos olhos, era muito firme na defesa do que acreditava e só chamava de amigos aqueles por quem realmente mataria e morreria. São três coisas que tento honrar como herança. Então, que este texto espelhe este mundo de coisas tão bonitas que se abre para Lucas e Cat, e que continuará nos passos de uma criança ainda por nascer.
No verão deste ano, numa das tantas festas que agora já podemos chamar de despedidas de solteira, assisti meio de longe, meio de perto, à primeira conversa destes dois que hoje são noivos. Posso tirar onda e dizer que, desde sempre, eu avisei: é ele! Eu também vi, dias depois, o primeiro beijo – e o namoro começou ali, instantaneamente. Pois assim que foi. E foi assim que Lucas, num bilhetinho de aniversário para Catarina, consagrou, em poucas e certeiras palavras: “Linda, te achei!”. E pronto. Só isso. E eu nunca vi um bilhete mais bonito que esse. Porque não há nada que possa ser mais incrível e mágico do que reconhecer assim, clara e simplesmente, ter encontrado o grande amor.
Amor que se reflete em bem-estar, alegria e satisfação. Amor gentil, cuidadoso, carinhoso e agradável. Amor intenso e profundo que se revela em leveza e em sono tranquilo. Amor que reserva surpresas, mas que dispensa a ansiedade. Amor de ficar junto porque assim a vida fica melhor. Amor como há de ser: tornando duas pessoas mais felizes, mais inteiras, mais seguras, mais capazes. Eu vejo Cat e Lucas, no dia a dia, arrancando sorrisos um do outro. Eles se fazem bem. É assim que faz sentido.
Cat e Lucas são companheiros, parceiros e se escolheram, além de terem lindamente se apaixonado. O peito palpita, e a razão confirma: eis um casal. Porque ser casal, aos 30 e com um filho na barriga, também exige sensatez. Por isso, vê-los estar nisso com tanta certeza faz com que fiquem de lado questões de tempo, planos, mudanças. Já é certo e coerente. Já tem fruto. Já é uma grande história. Já é uma família.
A minha amiga Catarina é de uma integridade de dar gosto. Já escrevi isso para ela antes, e repito: não conheço criatura mais leal. É uma grande mulher, com disposição para o crescimento e para a vida. Firme e honesta. Inteligente e divertida. Que se reconhece bem e sabe, graças a Deus que ela sabe, que não merece nada menos que muito. É fato, Cat: você é merecedora desse dia. Dessa gente que te ama. Desta e de muitas outras celebrações pelo que o universo lhe retribui como presente.
Pois então, Lucas, você realmente achou um tesouro. E nós, amigos de Catarina, lhe recebemos de braços abertos porque você faz jus a este mérito. Que bom que ela também te achou! Que bom que você veio. Que bom que você é agora também nosso amigo. Que bom que você é o pai do filho dela.
Abençoo e aplaudo esta união com a competência de quem só deseja o melhor para vocês. É um consentimento meu e de todos. Se aqui houvesse um padre que questionasse se alguém tem algum impedimento a declarar sobre o casamento, eu perguntaria: está louco? Olhe para Cat e Lucas, olhe aí: só há fatores a favor. Só há a parte de que eles se aceitam como legítimos, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, com fé na felicidade, com respeito e sinceridade, com o compromisso primordial de dividirem os dias pelo bem comum. Só pelo bem.
Catarina, Lucas,
Que possamos sempre ser testemunhas do amor de vocês. Que vejamos a quiança se transformar num ser humano também admirável. Que tenhamos muitos motivos para comemorar esta união. Muitos bons dias estão neste caminho, com certeza. Vamos estar juntos nisso.
Amo vocês três.
7 de novembro de 2011
Mais do que prezo
Eu era uma meninota quando vi, num daqueles programas populares e cotidianos que Regina Casé apresentava, uma entrevista que ela fez com um rapaz dentro do carro dele: um automóvel todo enfeitado, cheio de penduricalhos e mostras de sua personalidade exorbitante.
Em certo momento, em meio à conversa descontraída, Regina disse ao moço:
– Eu queria ter nascido homem.
Ele emendou na lata:
– Eu também.
Regina gargalhou. Eu ri junto com ela. E achei fofo. Criei carinho instantâneo. Contei esta história mil vezes na época e ao longo da vida. Nunca esqueci esta cena. Empatia de quem entende de desajustes, talvez.
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Eu tenho mania de querer ser amiga de gente que não conheço. E que muito provavelmente não conhecerei. Gente cujos olhos e atitudes me fazem acreditar que seríamos bons companheiros. Eu queria ser amiga do moço que queria ter nascido homem. E de Lula, Marieta Severo, Sean Penn e, recentemente, de Janelle Monáe.
Quem sabe eu confie demais nas impressões imediatas que tenho das pessoas. Quem sabe estes preconceitos – que não escapadamente são do que isto se trata – acabem me afastando de bons sujeitos, ou me aproximando de bons atores. Mas não consigo fazer diferente. Nem me esforço para tanto. Acredito na boa percepção que tenho das coisas da vida, sou doentemente observadora e minhas leituras, no fim das contas, costumam me poupar desgastes. Não gosto de perder tempo. Gosto de ter clareza do que me atrai e do que me repele. Conheço essa lista. Acredito no que sinto.
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Silvana gosta de ler os nomes das pessoas grafados por aí. O nome da amiga Cláudia estampado na capa da revista batizada da mesma forma a atrai. Por isso, ela me deu de presente uma garrafa de Doña Paula e, tempos depois, uma bonequinha jogadora de tênis que também é minha xará – ainda encaixotada, ela enfeita a estante de minha sala como um sinal do carinho que Silvana me ensina existir livre e solto pelo mundo.
É que de fato não é difícil reconhecer, mesmo de longe, quem tem peças que encaixam nas nossas. Quando olho para minha boneca Paula, lembro que não é preciso fazer esforços hercúleos para sermos queridos. Que relações não precisam derivar de batalhas. Que conquistas não devem ser alívio de labutas. Que débitos, desequilíbrios e desgastes não são saudáveis. Arturo me disse esses dias: “Eu já entendi que quando parece que você precisa lutar, na verdade, é pra desistir”.
Silvana e eu nos conhecemos há já alguns bons anos. Não posso dizer que somos exatamente amigas, mas a gente se curte, se paquera e se cuida de um jeito nosso. Eu e ela também dialogamos muito através de nossos textos (e, nossa, quantas e quantas vezes me vejo em suas palavras!). Acho bonito como Silvana mergulha em si mesma, os questionamentos que ela se faz, a forma como se desafia. De certa maneira, parece, sabemos que podemos confiar e contar uma com a outra. É simples, é sem cobrança e pronto: de repente, um mimo, uma escrita, uma conversa, uma mensagem no celular, um encontro agradável. E assim, com seus sinais de delicadeza, Silvana me faz atentar para o prazer de poder ser afetuoso, de fazer surpresas, de nutrir sorrisos.
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Não. Eu não sou fofa. Dou, aliás, cada vez mais valor à inestimável importância da intolerância. Mas sou honesta. Cada afago que ofereço é reflexo de minha busca por contribuir para a felicidade daqueles que estimo. E gosto de ser profunda.
Não há nada de superficial no meu convívio com Silvana, por exemplo. Nem com outras pessoas que escolho participarem dos meus dias sem, necessariamente, termos intimidade, confidências trocadas, telefonemas frequentes, visitas agendadas. Tem gente que eu gosto, e muito, que eu admiro, e muito, sem compromisso algum. Mas com comprometimento, cuidado e respeito. Aposento-me de quem não se preocupar igualmente com o meu bem-estar.
Em certo momento, em meio à conversa descontraída, Regina disse ao moço:
– Eu queria ter nascido homem.
Ele emendou na lata:
– Eu também.
Regina gargalhou. Eu ri junto com ela. E achei fofo. Criei carinho instantâneo. Contei esta história mil vezes na época e ao longo da vida. Nunca esqueci esta cena. Empatia de quem entende de desajustes, talvez.
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Eu tenho mania de querer ser amiga de gente que não conheço. E que muito provavelmente não conhecerei. Gente cujos olhos e atitudes me fazem acreditar que seríamos bons companheiros. Eu queria ser amiga do moço que queria ter nascido homem. E de Lula, Marieta Severo, Sean Penn e, recentemente, de Janelle Monáe.
Quem sabe eu confie demais nas impressões imediatas que tenho das pessoas. Quem sabe estes preconceitos – que não escapadamente são do que isto se trata – acabem me afastando de bons sujeitos, ou me aproximando de bons atores. Mas não consigo fazer diferente. Nem me esforço para tanto. Acredito na boa percepção que tenho das coisas da vida, sou doentemente observadora e minhas leituras, no fim das contas, costumam me poupar desgastes. Não gosto de perder tempo. Gosto de ter clareza do que me atrai e do que me repele. Conheço essa lista. Acredito no que sinto.
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Silvana gosta de ler os nomes das pessoas grafados por aí. O nome da amiga Cláudia estampado na capa da revista batizada da mesma forma a atrai. Por isso, ela me deu de presente uma garrafa de Doña Paula e, tempos depois, uma bonequinha jogadora de tênis que também é minha xará – ainda encaixotada, ela enfeita a estante de minha sala como um sinal do carinho que Silvana me ensina existir livre e solto pelo mundo.
É que de fato não é difícil reconhecer, mesmo de longe, quem tem peças que encaixam nas nossas. Quando olho para minha boneca Paula, lembro que não é preciso fazer esforços hercúleos para sermos queridos. Que relações não precisam derivar de batalhas. Que conquistas não devem ser alívio de labutas. Que débitos, desequilíbrios e desgastes não são saudáveis. Arturo me disse esses dias: “Eu já entendi que quando parece que você precisa lutar, na verdade, é pra desistir”.
Silvana e eu nos conhecemos há já alguns bons anos. Não posso dizer que somos exatamente amigas, mas a gente se curte, se paquera e se cuida de um jeito nosso. Eu e ela também dialogamos muito através de nossos textos (e, nossa, quantas e quantas vezes me vejo em suas palavras!). Acho bonito como Silvana mergulha em si mesma, os questionamentos que ela se faz, a forma como se desafia. De certa maneira, parece, sabemos que podemos confiar e contar uma com a outra. É simples, é sem cobrança e pronto: de repente, um mimo, uma escrita, uma conversa, uma mensagem no celular, um encontro agradável. E assim, com seus sinais de delicadeza, Silvana me faz atentar para o prazer de poder ser afetuoso, de fazer surpresas, de nutrir sorrisos.
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Não. Eu não sou fofa. Dou, aliás, cada vez mais valor à inestimável importância da intolerância. Mas sou honesta. Cada afago que ofereço é reflexo de minha busca por contribuir para a felicidade daqueles que estimo. E gosto de ser profunda.
Não há nada de superficial no meu convívio com Silvana, por exemplo. Nem com outras pessoas que escolho participarem dos meus dias sem, necessariamente, termos intimidade, confidências trocadas, telefonemas frequentes, visitas agendadas. Tem gente que eu gosto, e muito, que eu admiro, e muito, sem compromisso algum. Mas com comprometimento, cuidado e respeito. Aposento-me de quem não se preocupar igualmente com o meu bem-estar.
26 de julho de 2011
Minha criança
Há um tempo, já alguns meses, meu amigo João Carlos Sampaio postou em seu perfil no Facebook uma foto dele criança, num jardim caseiro, em que, ao fundo, vê-se uma senhora catando flores.
Na legenda, o seguinte texto:
“Sempre que olho essa foto (minha amada vó ao fundo) fico pensando se eu consegui ser justo com este menino, o que fiz dele... o que faço dele todos os dias... esse garoto, com um olhar tão intenso, me cobra muito... não sei se o decepcionei, se o decepciono... é tão difícil!”
Olhar minha vida sob esta perspectiva passou a ser um impulso frequente: será, Paula Berbert, que você está honrando o sorriso puro e cheio de esperança da criança que você foi? Será este o futuro que aquela menina merece?
Quando vejo minhas fotos de infância, sorrio para meus próprios olhos tão brilhantes e puros, reflexo de uma felicidade ingênua que existia apenas ali, em cada instante registrado de um tempo em que a vida se justifica em cada lúdico segundo de liberdade plena. Então eu penso: todas as crianças deveriam mesmo poder ser livres. E me entristeço por aquelas que não são.
A criança que eu fui não foi personagem dos melhores contos de fada. De forma alguma. E falar disso me faz lembrar de quando minha então recém-nascida irmã foi fazer o teste do pezinho e abriu um berreiro apavorado, soluçado. No mesmo instante, uma neném ao lado, ao ter o calcanhar furado, permaneceu imóvel e calada. A mãe justificou: ela nasceu pré-matura, acabara de sair de longo período no hospital, passou todos os dias desde o nascimento tomando injeções. Devia estar achando que viver era sinônimo de levar agulhadas. As crianças se adaptam com a facilidade de quem ainda não foi enrijecido pela dor. E me entristeço por aquelas que têm de conviver cotidianamente com o sofrimento.
Felizmente, as lágrimas de minha infância não foram ignoradas e meu pai, na infinita sabedoria de seus 20 e poucos anos, não me deixou acostumar com as severidades das circunstâncias. Com carinho e paciência, ele me ensinou que a verdade dissolve qualquer medo. E que minha felicidade é digna de muito respeito.
Hoje, dia em que tive a melhor sessão de terapia de todos os tempos, fui mais uma vez remetida à criança que eu fui. Porque eu faço muita questão de manter as coisas dela em mim. Porque eu sou essencialmente leve e desengessada, apesar de qualquer coisa. E é assim que preciso viver: com o coração tranquilo e com a vontade ingênua de encontrar alegria em tudo, até mesmo nas reconstrutoras tristezas. Foi deste modo que me tornei gente. É esta mulher que minha criança aplaude contente em meus sonhos.
Na legenda, o seguinte texto:
“Sempre que olho essa foto (minha amada vó ao fundo) fico pensando se eu consegui ser justo com este menino, o que fiz dele... o que faço dele todos os dias... esse garoto, com um olhar tão intenso, me cobra muito... não sei se o decepcionei, se o decepciono... é tão difícil!”
Olhar minha vida sob esta perspectiva passou a ser um impulso frequente: será, Paula Berbert, que você está honrando o sorriso puro e cheio de esperança da criança que você foi? Será este o futuro que aquela menina merece?
Quando vejo minhas fotos de infância, sorrio para meus próprios olhos tão brilhantes e puros, reflexo de uma felicidade ingênua que existia apenas ali, em cada instante registrado de um tempo em que a vida se justifica em cada lúdico segundo de liberdade plena. Então eu penso: todas as crianças deveriam mesmo poder ser livres. E me entristeço por aquelas que não são.
A criança que eu fui não foi personagem dos melhores contos de fada. De forma alguma. E falar disso me faz lembrar de quando minha então recém-nascida irmã foi fazer o teste do pezinho e abriu um berreiro apavorado, soluçado. No mesmo instante, uma neném ao lado, ao ter o calcanhar furado, permaneceu imóvel e calada. A mãe justificou: ela nasceu pré-matura, acabara de sair de longo período no hospital, passou todos os dias desde o nascimento tomando injeções. Devia estar achando que viver era sinônimo de levar agulhadas. As crianças se adaptam com a facilidade de quem ainda não foi enrijecido pela dor. E me entristeço por aquelas que têm de conviver cotidianamente com o sofrimento.
Felizmente, as lágrimas de minha infância não foram ignoradas e meu pai, na infinita sabedoria de seus 20 e poucos anos, não me deixou acostumar com as severidades das circunstâncias. Com carinho e paciência, ele me ensinou que a verdade dissolve qualquer medo. E que minha felicidade é digna de muito respeito.
Hoje, dia em que tive a melhor sessão de terapia de todos os tempos, fui mais uma vez remetida à criança que eu fui. Porque eu faço muita questão de manter as coisas dela em mim. Porque eu sou essencialmente leve e desengessada, apesar de qualquer coisa. E é assim que preciso viver: com o coração tranquilo e com a vontade ingênua de encontrar alegria em tudo, até mesmo nas reconstrutoras tristezas. Foi deste modo que me tornei gente. É esta mulher que minha criança aplaude contente em meus sonhos.
18 de julho de 2011
Complementando
Luciano Matos escreveu um texto supimpa sobre "A quantas anda a música baiana". Informações para deixar a gente feliz e orgulhoso e que, sem pretensão de me colocar à frente de Luciano, peloamor, me parecem um ótimo complemento ao meu texto mais recente, "Discursos do rock and roll".
Leiam, leiam!
Leiam, leiam!
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