- Não, Paula, que é isso? Sexta-feira à noite em casa é coisa de depressão profunda, fim de carreira.
- Esqueça, amiga, não tenho um real, não dá não.
- Ah, eu não acredito...
- Ô, fazer o quê? Se tivesse um programa-de-graça-boca-livre...
- Então, hoje tem calourada, é de graça e eu compro uma garrafa de vodca. Vamos?
- Vamos.
E ela veio me buscar. No carro, cinco pessoas, uma garrafa de vodca, outra de vinho, um isopor com cervejas, gelo, refrigerantes. Fartura. Farra pura, xixi no mato, Beatles e forró. Nunca mais tinha dançado tanto forró, delícia-delícia.
- Tá na hora de ir, né?
- É, chega, vou chamar o povo.
- A outra lá disse que vai ficar por aqui, vai voltar com o morenaço dela.
- E ela não vai mais dormir em sua casa?
- Vai sim, por causa do compromisso de amanhã, ela vai sair com ele e vai depois lá pra casa, deve me bater na porta de madrugada.
- Que inveja.
- Invejona.
Fomos embora. No carro, quatro pessoas, uma garrafa de vodca vazia, a de vinho ficou no lixo, o gelo derreteu e ainda sobraram cervejas.
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11 da manhã.
- Cadê você, miséria?
- Oi, amiga, tô indo!
- Porra, fiquei de olho no celular a noite toda, esperando você aparecer, isso são horas?
- Calma, amiga, tô indo.
- A gente tem de correr, peste, lembra que você tem compromisso às 13 horas?
- Tô ligada, amiga, não se preocupe, tô chegando.
11:30.
- Que porra de "tô chegando" é essa? São 11:30, porrinha.
- Oh, amiga, eu estou a caminho, estou aqui andando com o moreno.
- Andando? Andando onde? Como assim?
- Andando, amiga, fique calma, eu estou chegando.
- Pare com esta porra de andar e venha logo.
- Se eu parar de andar, eu não chego.
- Ahn?
- Paula, fique calma, eu estou indo.
11:45.
- Você está de sacanagem, né?
- Estou andando.
- Você está vindo andando?
- Estamos andando.
- Sim, dá para me explicar isso? Você está vindo andando?
- Não, nããããão!... Que nada! Você acha??? Quer dizer... É... Bem, estamos apenas caminhando...
- ...
- Olhando o mar, passeando, não é legal?
- ...
- Amiga, me dê mais uns minutos, tô chegando.
12:15.
- Paula, cheguei.
Abro a janela para ver a peça lá embaixo e mandar ela esperar que eu já ia descer correndo pra gente sair. Ela me arregala os olhos, pálida, cara de desespero.
- Amiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiga, pelamordedeus, abra a porta, se eu não beber água, eu morro, preciso de água, água, água.
- Aff, tá bom, espera aí.
- Paulaaaaaa, pelamordedeus, eu estou morrendo, vim andando da Pituba até aqui, atravessei aquela Manoel Dias inteira, Amaralina, Rio Vermelho, abra a porta, rápido, me salve.
E lá sobe a mulher, toda torta, toda dura, mancando, perna bamba, salto alto, pés inchados, cara de louca e seca de sede. O homem não era motorizado. E ela saiu do motel sem dinheiro nenhum, disfarçou o papo, atravessou uns bons quilômetros repetindo o quanto gostava de andar, o quanto era agradável passear ao lado do mar, vamos caminhar juntinhos, e lá foram os dois, ressaqueados, sem dormir direito, debaixo de um sol escaldante, cheios de sorriso falso na cara: a situação ridícula do ano. Passou o resto do dia dolorida, sem forças e gemendo ao se movimentar, ui, ai, ui, socorro.
Todo castigo para pobre é muito pouco.
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ahahahaha
ResponderExcluiressa foi boa.
Demais.
só nós, mulheres, sabemos o quanto ela sofreu.
vou até usar a idéia pra uma capítulo da série Mulheres sob Descontrole!
ahahaha