15 de outubro de 2007

Quem o chamou?

Eu pus a língua para fora e me entornei em copos cheios de gelo. Um homem fardado se aproximou e me fez elogios com um tom rude, quase com raiva de ter gostado, parecia. Foi a primeira vez que me chamaram de patricinha e que não tomei como ofensa – mas, pensando bem, não me vem à memória outra situação em que isso tenha acontecido. Patricinha, eu? Não ousaram um julgamento deste antes, decerto. Eu ri e fiquei sem conseguir mais, durante alguns minutos, tirar o riso da cara. Ficou preso. Eu deveria ter desconfiado de que isso é coisa de polícia, este poder carregado em cada palavra, cada espaço, cada reticência, esta força ensaiada. A despeito disso, não perdi a pose. Nunca me incomodei mesmo com a avaliação feita sobre mim. Será que ele achou que eu iria baixar a cabeça? Será que ele achou que eu iria recuar, negar, me sentir envergonhada? Fato é que eu não tentaria recompensar minhas vulgaridades – o tempo para gastar com isso me reserva coisas melhores. Pus a língua para fora mais uma vez, e outra e outra, ao que ele disse que minha conduta se assemelhava à de ofídios peçonhentos, enquanto confessava se atrair por isso quase como quem se diz masoquista, “maltrata que eu gosto, maltrata que eu gosto”. E eu me apaixonei por cada vírgula e o riso ficou mais preso e eu não parava de repetir em pensamento o que escutei, letra por letra. Hedonista, safada, frívola, despudorada, fútil, venenosa. Onde surgiu tamanha capacidade em usar palavras perfeitas assim, de modo tão escandalosamente envolvente? Quando aprendeu a dizer exatamente aquilo que vai deixar a outra com vontade de ouvir mais? O que devo fazer para que não acabe? Para que me xingue e encare?

Diz-se retardado diante de uma mulher!

3 comentários:

  1. Considero uma contradi�o o dizer que "Foi a primeira vez que me chamaram de patricinha e que n�o tomei como ofensa", e logo ap�s que "Nunca me incomodei mesmo com a avalia�o feita sobre mim.". Mas � das cobras a contradi�o, principalmente em sua rela�o com os homens. Pois n�o � de seu veneno que se extraem os soros para cur�-lo?

    Considero este texto as cores corais, atraentes, sedutoras. Uma crian�a n�o teria dificuldade em consider�-lo um brinquedo.

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  2. Bettie Boop, você tá numa fase muito cabeção...

    Beijo.

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  3. putz
    até eu, caindo de pára-quedas nessa história, me senti atráida pela voracidade das palavras.

    afinal, o que a semântica não faz com a gente, não é?!

    rsrsrsss

    beijos!

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