9 de maio de 2008

A história de uma semente e seu terreno

- Buja, vai sair daí que horas?
- Umas seis e meia.
- Vamos no shopping comigo?
- Vamos.

Ele sempre vai. Ele nunca me deixa só.
Mesmo que seja para me assistir dançar pelos corredores, repetir as mesmas falas, experimentar todos os óculos da loja, babar em frente às vitrines de lojas de sapato.
Não, ele nunca me deixa só.

------------------------------------------

Julia é minha amiga desde que eu tinha uns 12, 13 anos. Passei a adolescência mais na casa dela do que na minha, daquele jeito que você se sente parte da família, abre a geladeira, chega sem avisar, fica sem ninguém estar, participa dos almoços especiais, tem presente na árvore de Natal.

Julia tem dois irmãos - Tiago e Babal - que me serviram na vida como primos próximos: o mais novo era o pirralho que a gente perturbava, o mais velho era o instrutor-chefe das estripulias, sem deixar de me dar ordens e conselhos "de quem tem mais experiência".

Julia também tem um primo, Flavinho, que, por coisas da vida, foi morar com os tios e virou filho da casa. O mais velho de todos, sério feito a porra, nunca me dava ousadia. Acho até que eu tinha um pouco de medinho dele - olha, lá vem Flavinho!

A gente convivia muito.
E, por tudo, por um monte de histórias que cabem nestes anos todos, sempre apresento Julia como minha irmã.

------------------------------------------

Flavinho entrou na faculdade. Todo sério, ainda, todo de lá de longe. Aí Flavinho me arranja um amigo, colega universitário, que dá de se enfiar na nossa rotina. Estou eu lá, de perna pra cima, na sala, vendo televisão, passa o gordo cabeludo. "Bom dia", "boa tarde", "boa noite" – e olhe lá, porque o rabugento aproveitava momentos de maior movimento para que o não-cumprimentar passasse despercebido. O povo reunido, as festinhas, a gente lá, cada um de um lado.

Então, um dia, Julia resolve promover encontro de galeras dos irmãos todos e fomos a um boteco no Stiep, cantar em videokê: a novidade do momento. Meu então namorado achou péssima a idéia de eu sair com os amiguinhos de Tiago, de Babal, de Flavinho. Lembro de passar a noite fazendo discurso, que homem não sabe valorizar confiança, que homem não sabe respeitar o espaço individual, que homem não sabe incentivar a segurança de uma relação, que isso, que aquilo, que era essa porra mesmo, que comigo não! Eu tinha 16 anos. Santa ingenuidade.

Cantei uma música de Djavan.
Depois, cantaram uma música de Elis.

- Acho um absurdo cantarem Elis num videokê.
- É, por quê?
- Porque só pode se aventurar nessa alguém que tenha uma voz minimamente capaz de cumprir o desafio. Olhe o que esta mulher está fazendo! É crime!
- E você, que foi lá pra cantar Djavan? Quem é você pra falar? Acha que fez bonito?

Foi nosso primeiro diálogo. Previa que também fosse o último. "Acho que este Rabuja não gosta de mim."

------------------------------------------

Lá vou eu pro bar. Fui encontrar uma galera e, na mesa ao lado, está o marido de Julia (sim, Julia agora é uma mulher casada, e eu sou madrinha e as porra, claro), acompanhado de Babal, Flavinho e o tal Rabuja. Sou intimada: fica um pouco aí, mas vem sentar com a gente depois. Atendi ao pedido e puxei uma cadeira. Aí choveu. Aí tivemos de trocar de mesa. E, vai saber por quê, o povo se arranjou de modo que me obrigou a sentar ao lado do gordo cabeludo. Depois de dez anos de oi's e um único diálogo desastroso, estávamos ali, fadados a uma conversa. Encaramos: começamos. Tem quase dois anos que isto aconteceu e o papo ainda não acabou.

[Angelo, Buja (ainda cabeludo) e eu (de cabelo curtinho), na nossa primeira foto oficialmente-amigos, em setembro de 2006, no chá de cozinha de Julia.]

P.S.1: Julia morre de ciúme, "Paula só quer saber de Rabuja, Rabuja só quer saber de Paula".
P.S.2: Flavinho continua muito sério. Um cara do caralho.
P.S.3: Terreno, te amo [em absoluto].

4 de maio de 2008

Do teu quarto, da cozinha, da sala de estar

Estou deitada na rede. Aqui, tranqüila, sem tempo, nem companhia, sem nem razão, eu, a rede naquele mexido suave (porque ela nunca fica totalmente parada), a varanda, as pessoas nos apartamentos vizinhos, o céu com nuvens grandes. Há muito tempo não fazia isso.

O laptop está no meu colo, sobre um travesseiro, para evitar que eu sinta tanto o calor que ele provoca. Estou zanzando pela vida, escrevendo e lendo, conversando e ouvindo música - além do som da rua, que me é meio estranho, esta coisa de passar carro em velocidade um atrás do outro, este barulho que, do meu quarto, eu não ouço nem de longe. Isto eu nunca havia feito: isto de deitar na rede com um computador. E isto de eu me dar conta de que os ruídos da madrugada da casa de meu pai são muito diferentes daqueles que meus ouvidos nem me avisam mais quando escutam.

Está ventando. Esta frase eu não dizia há meses. E a última vez que disse não foi em Salvador. Ainda tusso. Às vezes começo a me zangar com a tosse e me lembro da quinta-feira.

[Como a quinta chegou: de repente, foi despertada no fim de semana de excessos e de faltas. Segunda foi um dia pesado. Terça foi um dia corrido; à noite, em pouquíssimos minutos, "Baby, me leva pra casa, me bateu um cansaço repentino, e absurdo", dormi antes da meia-noite. Acordei, quarta, baqueada, fingi que não, trabalho e, ah, deixa só cá ver: 38,8º - durmo, morta, só acordo para dormir de novo.]

Quinta-feira:
- Topa almoçar com a gente?
- Talvez...
- Já está acordada??
- Não sei...
- Paula, está tudo bem com você?
- Não.
- Que foi?
- Minha garganta. Crise igual àquelas que eu tinha quando criança. Fechou.
- Se arrume, vamos chegar em vinte minutos.

Não me lembrava do quanto doía. Do quanto derruba, cansa, agonia. Uma irritação louca me transforma num misto de mau-humor e dengo, choro e reclamação. E me encolho triste, com frio e calor, com muito frio e com muito calor, arrepiada e suada. Inquieta. Sem voz, a boca que mal abre, comida que não desce, não atendo ninguém, não quero ver ninguém, não falem comigo não.

Há muito tempo eu não via a cara de pena do médico da família - acho lindo termos "o médico da família", somos a única família que conheço que tem "o médico da família": xiiiiiiii!

Doze horas seguindo as orientações de São Jorge Sá, estava eu fazendo piada e comendo pão. A vida pós-cura é de uma felicidade atentatória.


Isto era para continuar, mas desisto. Adio, pelo menos. Primeiro porque fiquei com preguiça. Segundo porque estava ficando um saco.

UPDATE (na madruga de 5 de maio, já em casa):
Desisti mesmo. Mas o que eu ia dizer, no fim das contas, posso resumir - o feriadão foi ótimo, lindo, e, ao contrário do que se costuma dizer, as boas memórias podem sim ser mais fortes que as ruins. Teve dor, foi? Nem lembro direito.