Aviso: este texto contém spoilers do filme Quem Quer Ser Um Milionário
A primeira memória que tenho de João Carlos Sampaio é de quando li uma das críticas de cinema que ele escreveu no A Tarde na época do início de sua história no jornal. Meu avô comentou meio desconfiado que um rapaz iria dividir com ele a responsabilidade de escrever sobre a sétima arte. Não tenho ideia de quando foi isso.
Anos mais tarde, eu trabalhava na produção da TVE da Bahia e iríamos fazer uma matéria sobre o filme Ó Paí, Ó. Estava aquela polêmica de gente defendendo a obra com unhas e dentes, e de gente metendo o pau na bufa. Me passaram o contato de João para eu convidá-lo a participar.
- Como é seu nome mesmo? Paula? Poxa, Paula, me desculpe, mas eu não aguento mais falar mal deste filme. Acho que já tá na hora de a gente parar de dar ibope pra ele.
Será que ele lembra disso? Vou perguntar. Pois que agora João é um de meus 72 chefes em uma das minhas 43 ocupações. Você, que reclama de seu patrão, pode ir logo ficando com pena de mim, que tenho uma coleção.
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- Sabe o mais intrigante? Você não tem amigos, daqueles em que você confia, daqueles que você respeita... Sabe? Não tem uns desses que vieram te dizer que adoraram o filme?
- Tem, João! Tem, tem! É realmente incrível!
- Pois é, eu fico tentando entender o que aconteceu...
Não falávamos mais de Ó Paí, Ó. Falávamos do ganhador de oito estatuetas no Oscar deste ano.
Assim como João disse ao negar o convite da TVE, também já cansei de falar mal de Quem Quer Ser Um Milionário. Mais que isso: com toda minha arrogância, não entendo por que as pessoas não veem o que eu vejo.
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Os grupos de cheerleaders (ou os times de basquete, baseball, futebol, tanto faz) de um colégio americano chegam ao momento crucial que definirá quem é o melhorzinho – e mais bonzinho, e mais justinho, e mais honestozinho, e mais todas-as-coisinhas-fofinhas-e-queridinhas –, com direito a troféu e fama no final, com direito a papel picado e a ser carregado pela torcida. De início, todo mundo é amiguinho, até que um-ser-bondoso-incorruptível-com-todo-amor-no-coração, desiludido e chocado, descobre que o parceiro-amigo-irmão é um malvado egoísta, vaidoso e trambiqueiro. Óóóóó! É uma decepção. Relações cortadas, cada um assume a liderança de um lado e a disputa fica acirrada. A turma do bem, mesmo frágil, injustiçada e cheia de desvantagens, enfrenta com honra todos os obstáculos revoltantes que a galera do mal prepara com a ajuda, claro, de um superior (talvez um técnico, talvez um professor, tanto faz) ainda mais devasso.
No auge dos conflitos, um dos membros do lado negro se indigna com tamanhas safadezas e percebe o quanto foi incorreto e usado por aquela-gente-falsa... é hora da redenção. Ele dá o empurrãozinho final (talvez desmascarando os fatos, talvez boicotando o golpe, tanto faz) para que o bem prevaleça.
É uma alegria! O líder, ovacionado, com medalha no peito, sendo brindado pela multidão – e, claro, ele nem imaginava quanta gente o estava apoiando – nem se importa com a fama e o dinheiro, nem-liga-pra-essas-coisas: ele quer mesmo é dar o beijo na mocinha, que, enfim, termina ao seu lado. Sobe-som.
Em Quem Quer Ser Um Milionário, a maior diferença é que o sobe-som derradeiro vem acompanhado de dancinha coreografada, no toque esquizofrênico final, quando o filme esquece que não é um musical para que as pessoas saiam dançando assim de repente.
Para fingir que a obra não é apenas mais um filmezinho qualquer de sessão da tarde – com todos os clichês existentes no cinema, com todos os padrões de produção e estilo estadunidenses, com todo aquele encadeamento de acontecimentos previsíveis, com toda a lógica católica de que os que padecem serão recompensados, com todas as rasas lições de moral e todo uso de situações chocantes para forçar a emoção (em vez de construí-la com inteligência) –, o diretor investe em um detalhe que, pelo visto, engana bem: trocar o cenário da escola de classe média pelas imagens sofridas da Índia.
No mais, é esperar pelo óbvio, aturar a insustentabilidade daquela história de que todas as perguntas do programa tinham relação com a própria dura-vida do mocinho (tá bom, tá bom, tem uma, U-M-A perguntinha que foge à regra: tentativa de dar crédito ao fato de que ele não é um “garoto culto”, apenas aprendeu com o sofrimento, tadinho), aguentar a cara de idiota do personagem e as caretas dos malvados (na moral, parecendo filme da Xuxa, que, para mostrar que o mau é muito-muito perverso, coloca o cabra em luz sombria, olhando de canto de olho para a câmera; eu já tenho mais de três anos e já consigo identificar estas coisas sem precisar dos estereótipos do teatro infantil).
E o que é aquela candura toda de Jamal? É incongruente um ser humano ter vivido daquele jeito e exalar doçura e ingenuidade no olhar de cachorro pidão. E como é que Latika sabia dirigir, gente? Será que o marido-gente-boa ensinou? E por que ela ficou corajosinha no último minuto? Antes, tinha certeza de que seria morta se fugisse; do nada, pega o carrão e se garante que “estou segura”. Oxe, deveria ter ido embora logo no primeiro dia, então. E aquele telefonema atendido no último toque? Vergonha alheia. E eles dois “nem aí” para os milhões? ‘Sei a resposta não, mas e daí? Foi tudo só para a gente se encontrar! É amor de infância, ora bolas!’ E precisava, meu Deus, será mesmo que precisava o irmão-que-se-redime morrer numa banheira cheia de dinheiro, sem deixar de, antes, soltar uma frase de efeito: “God is great”? Ui. E que cor de cocô é aquela quando o menino Jamal afunda na bosta? Caramelo! Nem merda eles fizeram direito.
Em tempo: para não dizer que eu só falei das flores podres, vale registrar a beleza colorida da fotografia, o capricho da produção e a atuação espetacular do garoto Ayush Mahesh Khedekar. Um tchuco.
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Tive o prazer de estar ao lado da autora no cinema...e o desprazer de ter assistido Slumdog Millionaire. Me façam uma garapa. É ruim demais! Fica o consolo de não ter pago para assisitr aquela obra.
ResponderExcluirO texto, namorada, tá fodástico!
a cada novo texto a pergunta: pq vc demora tanto de postar? pqp!!
ResponderExcluirainda bem que escapei desse filme...verei em casa, por curiosidade. com direito a apertar stop se achar o nível tão baixo.
olha aqui, malinha: eu sou uma pessoa que choro com comercial de televisão, quem dirá com sessão da tarde... agora some à minha já frouxa emoção, imagens fortes da índia, mais uma criança sofrida, CHEIA DE MERDA, interpretada por esse ator que você disse e eu não gravei o nome, mas que resulta na nossa concordância em ao menos UMA COISA nesse filme: o guri bota pra fuder! rsrs.. e como eu sou uma pessoa influenciável, já tô gostando menos desse filme... ahahahahahahaha..
ResponderExcluirbeijo, maleta!!
Palha,
ResponderExcluirAté hoje eu não sei quais as modalidades que esse filme ganhou, só sei que foi de melhor filme.
O melhor do filme, realmente, é o garotinho de nome estranho que não sei falar...rs...
Saí do cimena com uma pergunta: Por que este filme ganhou tantas estatuetas e ainda foi considerado o melhor filme???
E o pior de tuuuuuuuuudo, eu paguei para assistir.
Foda.
Rafa
Porquê o OSCAR tem tanta importancia assim?
ResponderExcluirPorque tanta indignação com um prêmio?
Faría alguma diferença se o filme premiado fosse "Frost/Nixon" ou "Milk" (adorei os dois)?
O OSCAR serve de referência para alguma coisa?
Ele é um espelho do cinismo "estadunidense"...
Cinema não era pra ser entretenimento?
Eu não ví e não gostei... Mas, vou ver, só pq Paula levantou algumas aqui questões que me deixaram curioso...
*Qquer forma de expressão artística pode ser exclusivamente entretenimento, concordo. E, cá entre nós, não tem nada de mau nisso. Porém, msm somente com esse viés, não precisa subestimar o público com uma sequência incontável de clichès e um apelo melodramático com cenas de pobreza para conquistar os nossos corações cristãos!
ResponderExcluir*Fabão, acho tb que o OSCAR não é grande referência, pois se trata mais de um grande espetáculo de promoção das celebridades do que um festival sério, propriamente dito. Infelizmente,como tantas outras porcarias oriundas daquele pedaço de terra entre o México e o Canadá que deveria ser oceano, esta premiação ganha proporções gigantescas no imaginário mundial. eles realmente são bons de, com o perdão do estrangeirismo, brain washing.
*Paula Berbert escreve bem demais!!! Quero escrever igual a ela qdo crescer!
Fábio e Lubis,
ResponderExcluiracho que a questão do Oscar é a menos relevante desta história. O prêmio não deve mesmo ser motivo de indignação para ninguém. As oito estatuetas, aqui, são um detalhe. O que me surpreende e espanta é a receptividade das pessoas, e não dos inúmeros prêmios (que foram recebidos além do Oscar), com o filme.
Eu também acho que o cinema de puro entretenimento é válido e prazeroso, mas também não gosto de me sentir subestimada. Lazer não precisa ser um reforço à (vou usar esta palavra porque é a mais fácil) "burrice".
Levando em conta que "Quem quer ser..." é filme-farofa, é bem feito, bem contado, bem produzido. Sessão da tarde das boas. O problema é que o filme é pretensioso, se diz profundo e engajado, se diz uma mostra da realidade indiana.
Bom, é por aí.
Obrigada, meu amorzão, pelo elogio.
Caralho, adoro ler isso aqui!
ResponderExcluirNão assisti o filme. Eu sei, avisos de spoilers sempre funcionam ao contrário comigo...
Gata, cinema, pra muitos, é pra ser ficção mesmo. Se a gente sempre se ater a estes detalhes, a grande maioria dos filmes vão ser sempre ruins e o bom mesmo vai ser achar outras opções.
ResponderExcluirO que todo mundo quer é final feliz. É a velha fórmula da pobreza e superação do fim. Algumas nos tocam, outras não. Enquanto nos emocionarmos com certas simplicidades, tá valendo.
Te amo.
Primeiro datas e dados:
ResponderExcluirSim, eu me lembro desse convite pra TVE, só não lembrava que a simpática garota ao telefone era você. rsrs.
Entrei em A Tarde em 1995, meses depois de sair do extinto Bahia Hoje, mas só para cobertura de cinema em matérias esporádicas e para a edição de sexta. Comecei a ter honra de dividir o Cinecartaz com o José Augusto só há uns quatro anos.
Saudade dele, as cabines e pré-estreias perderam a graça sem seus comentários mordazes... Nunca vi alguém com tanto amor ao cinema, uma paixão que não arredou pé jamais, espero estar fazendo justiça a sua memória com minhas mal traçadas linhas.
Sobre o blog:
Não conhecia, mas já adicionei aqui, bom te ver escrevendo solta, fora da rotina de trabalho. Texto bom que só! Escreva mais!
Um Ps:
Cabine de Brokeback Mountain, Berbert já a postos, sabendo o que veria pela frente. Silêncio na sala e todos esperando as suas manifestações sempre comuns, durante a projeção, naquele esforço hercúleo que ele fazia para moderar a sua voz (rsrs). Quase silêncio nesse dia... Até que surge a primeira cena romântica... E Berbert solta: "Hum... Começou...". Riso geral. Saudade da zorra, Paulinha... mesmo!
rsrsrs
Bjks!
João.
1. Acho que é desmerecer a Sessão da tarde classificar Quem quer ser... como digno dela. Afinal, há filmes que tem objetivo de ser bons filmes de Sessão da Tarde e ponto final. É injusto colocar no msm patamar películas que falharam nas suas pretensões megalomaníacas. Fazer isso seria subcategorizar a Sessão da Tarde e, por isso, deslegitimá-la.
ResponderExcluir2. Nem todo mundo quer final feliz. Essa fórmula primária não me conquistou, apesar de, muitas vezes, achar que a mocinha deve ficar com o mocinho. A questão, de fato, para mim, não é essa. Sendo triste ou feliz, o final óbvio e previsível antes da primeira cena subestima minha inteligência.
3. Se eu não me ativer aos detalhes, estarei sendo só mais um reprodutor do discurso do senso comum. Muitas vezes nossas opiniões coincidem msm com esse fluxo das massas - fazer o quê?- mas sempre após digerir.
4.Paula escreve pra caralho e em um post tem mais comentários do que toda a história do meu blog. Viva a minha namorada!!!!
Que bom voltar aqui e encontrar seus textos. E reler "Acolhimento", que sempre me traz lágrimas aos olhos (aonde mais?), talvez porque eu esteja longe de meu filho e queira ter momentos com ele assim, talvez porque esteja perto de minha filha e espero deixar nela essa lembrança gostosa, um dia.
ResponderExcluirBeijo.
Agora que já li os comentários de todo mundo, deixa eu me manifestar de forma mais válida.
ResponderExcluirAssisti "Slumdog..." sem pagar, o que já é um consolo.
Entretenimento é a palavra de ordem do cinema. Entretenimento do fígado, do cérebro, do coração... tem diversão e distração para todo mundo: do sentimentalóide que vai aos filmes da Meg Ryan ao intelectualóide que vai (ia) aos filmes do Truffaut.
Eu, aqui em meu canto inóspito, me divirto por vezes brincando de bola, inconsequntemente, com minha filha, como jogando xadrez com um grande amigo. Ou numa conversa de bar, acalorada, sobre nada. Ou lendo blogs. Ou escrevendo comentários.
Fodam-se os Oscars, realmente. Todo mundo já sabe dos lobbies e da importância financeira e logística de um prêmio da "Academia". Isso não conta.
O escroto nisso tudo é que, por mais que você leia críticas, ouça comentários sobre a zorra do filme premiado, sinta-se totalmente desencorajado de assisti-lo... sempre há a chance de estarem errados, de querer ver para crer. Aquela esperança de encontrar, no filme, algo que o salve. Ou que salve a sua decisão de ter ido vê-lo.
O filme é uma bosta, mas é bonitinho. Vai lá ver, Fábio!
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Boa análise. As vezes tenho a impressão que o cinema que entra pelos olhos americanos, e desemboca no Oscar, é como se a tela trouxesse a redenção dos demônios.
ResponderExcluirDepois que " O Leitor" deu um Oscar para a Kate, eu acho que "Quem Quer Ser Um Milionário" pode facilmente ganhar o título de melhor filme da década, Chuck Norris o melhor ator de todos os tempos, Marília Pêra a atriz mais gostosa do Brasil e Dercy Gonçalves derrubaria anos de monopólio da Sadia como o melhor presunto do país.
ResponderExcluirEscrevi 48 horas de considerações artisticas, culturas, socias, e o escambau. Num "timeout" acho q perdi tudo... Só pra resumir numa coisinha só: "Dona Paula, sou sua fã número um!"
ResponderExcluirAlguém aí falou sobre platonismo?? hã? hã? Pode ter sido eu? A sua fã platonica???
Besta, besta!! Beijoca!