26 de julho de 2011

Minha criança

Há um tempo, já alguns meses, meu amigo João Carlos Sampaio postou em seu perfil no Facebook uma foto dele criança, num jardim caseiro, em que, ao fundo, vê-se uma senhora catando flores.

Na legenda, o seguinte texto:
“Sempre que olho essa foto (minha amada vó ao fundo) fico pensando se eu consegui ser justo com este menino, o que fiz dele... o que faço dele todos os dias... esse garoto, com um olhar tão intenso, me cobra muito... não sei se o decepcionei, se o decepciono... é tão difícil!”

Olhar minha vida sob esta perspectiva passou a ser um impulso frequente: será, Paula Berbert, que você está honrando o sorriso puro e cheio de esperança da criança que você foi? Será este o futuro que aquela menina merece?

Quando vejo minhas fotos de infância, sorrio para meus próprios olhos tão brilhantes e puros, reflexo de uma felicidade ingênua que existia apenas ali, em cada instante registrado de um tempo em que a vida se justifica em cada lúdico segundo de liberdade plena. Então eu penso: todas as crianças deveriam mesmo poder ser livres. E me entristeço por aquelas que não são.

A criança que eu fui não foi personagem dos melhores contos de fada. De forma alguma. E falar disso me faz lembrar de quando minha então recém-nascida irmã foi fazer o teste do pezinho e abriu um berreiro apavorado, soluçado. No mesmo instante, uma neném ao lado, ao ter o calcanhar furado, permaneceu imóvel e calada. A mãe justificou: ela nasceu pré-matura, acabara de sair de longo período no hospital, passou todos os dias desde o nascimento tomando injeções. Devia estar achando que viver era sinônimo de levar agulhadas. As crianças se adaptam com a facilidade de quem ainda não foi enrijecido pela dor. E me entristeço por aquelas que têm de conviver cotidianamente com o sofrimento.

Felizmente, as lágrimas de minha infância não foram ignoradas e meu pai, na infinita sabedoria de seus 20 e poucos anos, não me deixou acostumar com as severidades das circunstâncias. Com carinho e paciência, ele me ensinou que a verdade dissolve qualquer medo. E que minha felicidade é digna de muito respeito.

Hoje, dia em que tive a melhor sessão de terapia de todos os tempos, fui mais uma vez remetida à criança que eu fui. Porque eu faço muita questão de manter as coisas dela em mim. Porque eu sou essencialmente leve e desengessada, apesar de qualquer coisa. E é assim que preciso viver: com o coração tranquilo e com a vontade ingênua de encontrar alegria em tudo, até mesmo nas reconstrutoras tristezas. Foi deste modo que me tornei gente. É esta mulher que minha criança aplaude contente em meus sonhos.

12 comentários:

  1. massa!

    acho que tô exatamente no movimento de voltar a honrar a minha criança, mas não tinha essa clareza antes de ler seu texto. não à toa esse momento coincide também com meu retorno à terapia. massa, xará! valeu pelas inspirações ;)

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  2. e venha cá... vc desde sempre assim cativante, né??? :)

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  3. Invejo esta leveza dos taurinos... essa mania de alegria de vocês... este respeito... acho bonito de ver! :)
    E "Será este o futuro que aquela menina merece?". Me dói pensar nisso. Análise já, rs.
    (Eu te pediria pra assistir a série Being Erica, mas, blé, vc não vai me obedecer. rs)

    Vai aqui o que eu tava (estou) postando agora no face:

    "-Por que será- perguntou ele a Olívia- por que será que às vezes a gente tem a impressão de que acabou de nascer... ou de que o mundo ainda está fresquinho, recém saído das mãos de quem o fez?
    [...]
    Como se tivesse estado a rolar a pergunta no espírito, Olívia respondeu:
    - São as clareiras que se abrem de repente para a gente poder vislumbrar Deus."

    (Olhai os lirios do campo, Erico Verissimo, p. 85)

    =*

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  4. eu acho que tô numa época meio inversa. passei bons anos refletindo sobre o passado. cheguei a conclusões importantes, mas hoje, o que mais tenho exercitado é minha conduta no presente, pra que no futuro, este presente, seja uma passado admirável :]

    tamo junto!
    te amo!

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  5. Xará,
    bom início de terapia pra você! e dê muito carinho sempre mesmo à sua criança. né? =)
    (oun, cativante é delícia!)

    Diniz,
    você sempre me vem com as melhores citações.
    quero ver Being Erica sim, o que é?

    Catita,
    pensar na criança, neste momento, nem é refletir passado: é refletir presente mesmo! e vamos lá rumo ao futuro nosso de cada dia.
    tiamu.

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  6. Que bonita essa lembrança. É uma maneira bacana de, em períodos de difíceis e de dúvidas das convicções, conseguir olhar para dentro e se ver, como a crianca sendo nossa mais verdadeira essência. É assim que eu viajei.

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  7. lindo post, gerou profunda reflexão.
    parabéns e obrigada.

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  8. Chorei.
    Carla
    suissatanner@hotmail

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  9. Nossa, que lindo Paulinha!!! Acolher e procurar entender esta criança é TÃO importante... Que bom que você está se ocupando disto e melhor, de modo tranquilo, constante e sem pesos de responsabilidade. Eu mesmo preciso voltar à minha criança mais uma vez. Talvez seja que nem a reencarnação. Não necessariamente a crença, mas a sua dinâmica: oportunidades de rever e fazer diferente até a felicidade não deixar espaço para mais nada (minha leitura atual do fenômeno). Lindo as suas percepções aqui. E as do seu amigo também. Beijão!

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