24 de abril de 2012

Das autoajudas

O restaurante do Madison Plaza, na Pituba, já foi um dos meus lugares preferidos de comer comida a quilo em Salvador. Hoje em dia, a comida de lá é apenas ok – quando tem sal, porque muitas vezes simplesmente falta sal. No entanto, eu frequento o local mais do que nunca: é que, agora, fica do ladinho de minha casa.

Dia desses, estava eu lá incomodada com uma exposição de pinturas que inventaram de montar nas paredes. Outras vezes eu já tinha passado o olho e achado horrível, mas, nesta última oportunidade, eu sentei de frente para a maioria das telas e fiquei nervosa com elas. Tratam-se de quadros que retratam máscaras. Feios de doer. Entre uma garfada e outra, ainda me dei de ler um texto de apresentação colocado em uma das obras, algo tipo: “Quantas vezes você já não utilizou uma máscara dessas ao mentir?”.

Nossa. Fiquei comovida com tamanha provocação. Uau. Que forte. Que desafiador!

Lembrei-me dos tempos em que eu trabalhei com Recursos Humanos – e das tantas dinâmicas de grupo comuns deste universo. Em minha opinião, dinâmicas de grupo são, de modo geral, das coisas mais constrangedoras que já inventaram. Especialmente porque, quando se encaixam naqueles projetos de “integração” e “motivação”, via de regra, elas pretendem transmitir “mensagens”. No final, naquele momento de traduzir o que foi “experimentado” pelos participantes, as lições de vida explodem para todos os lados. E, nossa senhora, eu fico perplexa e me afundando em mim mesma de vergonha com os inestimáveis ensinamentos transmitidos. (Por outro lado, eu acho que aquele climinha alegre típico de grupos que acabaram de sair destes sufocos é justamente vindo do fato de terem compartilhado – e sido cúmplices – do embaraço alheio, além de, claro, terem podido não trabalhar naquele dia.)

O que mais me intriga, no entanto, é por que as revelações pretendidas quase sempre giram em torno da máxima de que “Você é especial e único”. Ah, bata-me um abacate.

Acho um equívoco absurdo esta história. Individualmente, nós somos nada além do que serezinhos, bichos humanos, nascidos por acaso, que têm necessidades básicas para continuarem vivos, que vão sobrevivendo aos dias. Nós só temos sentido em articulação. Não entendo por que reforçar a ideia de que somos importantes por sermos quem a gente é. Bilhões de pessoas são, e isto muito mais faz mal ao mundo do que o enriquece.

No mesmo dia em que almocei embalada pelas imagens das máscaras me rondando, precisei caminhar pelo Pelourinho. Era dia de chove-não-chove. Algumas poças estavam formadas na rua. No passeio, obras no casarão em que trabalho impuseram andaimes para os operários poderem pintar a fachada. Os pedestres, como eu, tinham de avançar um pouco no espaço dos carros para poder passar. Não é uma situação de se admirar: os condutores, protegidos em seus veículos, pouco se lixam se está difícil para você atravessar aquele espaço entre ferros, guarda-chuvas, gotas caindo e outras pessoas circulando. Um carro me atravessou em alta velocidade, fazendo-me espremer num canto para não ter um pedaço meu arrancado, e ainda levantando com gosto a água acumulada num buraco da via, dando banho em quem estava ao redor. Dá vontade de ir lá dar um beijo e cantar o hino nacional, de tanto orgulho.

Para não ter um siricotico de ódio, fiquei mentalizando que o cidadão deveria estar levando algum moribundo para atendimento de emergência. Ainda assim, não consegui evitar a conexão de pensamentos: parem, meu Deus, de ensinar que as pessoas são especiais. Mostrem que elas precisam é olhar para o lado.

5 comentários:

  1. Ensinar que as pessoas precisam olhar para o lado dá mais trabalho, algumas pessoas acabam ficando bravas... é mais ou menos por isso q costumam evitar. ;-)

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  2. Talvez precisem olhar mais para dentro, mas com outra atitude. O narcisismo é a miopia da humanidade, é o que nos faz crer isolados dos demais seres humanos, e que nossas dores são distintas e só nossas. Humm....somos especiais, sim, Paula, tanto quanto uma rocha ou uma gota de água do mar. Entre uma gota, uma onda e o oceano, qual é a diferença mesmo? Hehe ;)

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    1. neste sentido, sim, somos especiais, mas não mais importantes e relevantes que os outros, né? justo isso que você disse, do narcisismo...

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